A ruína do Golpe
O
arranjo do golpe ruiu. Se não vierem eleições diretas e Temer
continuar no governo, o que se verá nos próximos meses será
um semimorto se arrastando, com as carnes rasgadas e dilaceras,
empunhando um bastão, ainda tentando fazer algum mal ao povo
brasileiro. A história foi justa, rápida, implacável e severa para
com os líderes do golpe e suas respectivas quadrilhas. Aécio, Temer
e Cunha lideraram o impeachment para se apossar do poder, barrar a
Lava Jato e continuar cometendo crimes, o último, inclusive, da
cadeia.
Quis
a história ou a deusa Fortuna retirar o debate acerca do caráter
golpista do impeachment do terreno acadêmico e especulativo para
colocá-lo no terreno dos fatos, pronunciando uma sentença
irrevogável e definitiva: o impeachment foi golpe e, a cada dia
passado, novas revelações comprovam o seu caráter conspirativo.
Com isso, foi julgada também a conduta de vários intelectuais,
analistas consultores e jornalistas que se acovardaram diante dos
acontecimentos e da pressão dos interesses opressivos e criminosos
que agrediram a democracia.
A
história carimbou a conduta do Supremo Tribunal Federal com a marca
de omisso e conivente. A questão era simples: não se pode tirar um
governo eleito, em nome do combate à corrupção, para colocar em
seu lugar as piores e mais especializadas quadrilhas que vinham
assaltando o poder público há décadas. Tal artimanha das elites
estava destinada ao fracasso e a abrir feridas de um conflito
político que se prolongará pelos próximos anos. Se quisessem uma
saída razoável para os impasses do governo Dilma teriam que
buscá-la em outro lugar e por outros métodos, não pela violência
contra a democracia e a Constituição.
O
golpe caminhou para a ruína pelas seguintes razões: ficou cada vez
mais evidente o caráter delinquente do governo e dos seus principais
chefes; as promessas de uma retomada rápida da economia não
ocorreu, agravando o desemprego e a recessão; as contas públicas
não foram saneadas; buscou-se jogar o peso brutal da crise sobre os
ombros dos mais pobres e dos trabalhadores com as reformas
retrógradas e conservadoras, liquidadoras de direitos; os índices
de apoio a Temer caíram próximos de zero; criou-se uma cisão
interna no arranjo golpista tendo, de um lado, o Partido do Estado
(Procuradoria Geral da República, parte do Judiciário, PF, Lava
Jato e parte da grande mídia) e, de outro, o bloco político
articulado em torno do Planalto, no Congresso e em partidos, tendo
apoio de outros setores da grande mídia.
Rearticulação
das elites
O
motivo principal da cisão foi o risco das punições de políticos,
de desgraça de suas carreiras políticas, de perda de mandatos e de
prisões. O bloco político do golpe começou a jogar contra a Lava
Jato, retirando-lhes recursos humanos e financeiros, buscando saídas
escapistas no Congresso e o controle da PGR e da PF. O capital
também começou a se dividir em torno desta cisão. Os setores mais
corruptos do capital - notadamente as construtoras, a JBS e ao que
tudo indica o capital financeiro - temendo prisões e prejuízos,
começaram a fazer acordos com o Partido do Estado.
Com
estas encrencas todas, Temer foi perdendo a condição de articular
uma alternativa de poder para 2018, ameaçando arrastar para o abismo
o seu principal sustentáculo: o PSDB. O constante crescimento de
Lula nas pesquisas, mesmo com o massacre diário contra ele, fez
com que o Partido do Estado e parte das elites começassem a perceber
os riscos que corriam acerca de suas ambições futuras de poder.
Lula
foi se tornando um grande problema para eles. Como deixá-lo de fora
das eleições liderando as pesquisas? Isto poderia convulsionar o
país, ainda mais com Temer na presidência investindo contra os
direitos do povo. E como condená-lo, deixando impunes figuras como
Temer, alguns de seus ministros, caciques do PMDB e do PSDB,
notadamente Aécio Neves? Os movimentos sociais e parcela crescente
da sociedade jamais aceitariam esta solução e o Brasil agravaria
seu descrédito internacional. Com as divisões internas e com a
situação ameaçando fugir do controle tornou-se necessário buscar
outra saída, com a degola do principal problema: Temer e seu
governo.Se
Temer e o bloco político do golpe estão sendo derrotados, qual é a
saída que o Partido do
Estado e seus aliados constroem?
Aparentemente, existem duas variáveis: 1) a escolha de um presidente
pela via indireta que possa articular uma alternativa de poder para o
próximo ano, inclusive, podendo ele mesmo ser esta alternativa. Para
isto, as reformas da previdência e trabalhistas seriam amenizadas
não se descartando, inclusive, a sua retirada de pauta.
Apostar-se-ia na retomada do crescimento e do emprego, com um
presidente e um ministério isentos de acusações; 2) se o
presidente eleito indiretamente não vier a ser candidato, supondo-se
as condições políticas e econômicas do ponto anterior, ele
criaria condições para eleger um candidato novo, um Dória ou um
empresário.
A
questão de o que fazer com Lula ainda fica em aberto. A decisão
será tomada a partir dos desdobramentos da atual crise e à luz da
evolução da conjuntura. Em síntese: além das divisões internas
do arranjo golpista, a tentativa de derrubar Temer visa aumentar o
controle sobre o processo eleitoral de 2018. Se ele cair, tudo indica
que buscarão um presidente e um ministério com perfis desvinculados
de participação direta no golpe e de acusações da Lava Jato.
A
crise de longo prazo e as forças progressistas
Diante
deste cenário ou de outro mais convincente que se apresentar, já
que este é hipotético, o que as forças democráticas e
progressistas devem fazer? Não deve haver nenhuma vacilação quanto
às iniciativas de colocar abaixo o governo ilegítimo de Temer,
buscando acumular força. Este embate deve vir associado com a
exigência de "Diretas Já" e a paralisação das reformas
conservadoras. É preciso apostar todas as fichas nas mobilizações
de rua, visando estabelecer uma nova correlação de forças e
construindo a unidade popular e progressista a partir da luta e da
definição de uma plataforma, de um programa em comum.
Note-se
que a presente crise é uma crise de longo prazo, pois ela tem uma
face política e outra econômica e social. A face política diz
respeito a quem controlará o governo, os orçamentos, os fundos
públicos e quem financiará o Estado. A face econômica e social diz
respeito ao grave desequilíbrio distributivo entre o capital e o
trabalho, os ricos e os pobres, a desigualdade e a justiça. Pelo
fato de as duas crises se entrelaçarem, os embates e a polarizações
se prolongarão no tempo.
Se
Lula não puder concorrer, um possível futuro presidente conservador
eleito terá que ser confrontado pela petição de ilegitimidade. Se
Lula concorrer e vier a ser derrotado por um presidente conservador,
este se sentirá legitimado para cometer atrocidades contra os
direitos do povo e terá que sofrer dura oposição dos movimentos
sociais. Se Lula concorrer e vencer, não será aceito pela direita e
terá que ser defendido nas ruas. Além disso, a natureza de seu
governo teria que ser disputada pelos movimentos sociais, impedindo a
conciliação da era petista anterior.
Em
suma: a crise e as lutas são de longo prazo porque o Brasil entrou
num período de sua história no qual não haverá paz social e
política enquanto o equilíbrio econômico e social, fundado na
justiça e na igualdade, não for estabelecido e enquanto a
democracia não se tornar efetiva. Afinal de contas o golpe ensinou
que não se pode confiar nas elites que se servem do Estado pela
corrupção e pela apropriação dos fundos públicos, que querem
perpetuar a injustiça e a desigualdade e não titubeiam e violar a
democracia.
Aldo
Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política.Ler
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